sábado, abril 28, 2007
domingo, abril 22, 2007
Formol
Acendo um cigarro e recordo-me que pouco falta para a consulta de pneumologia no hospital. Levanto-me e revistas pornográficas caem espalhadas no chão. Despontam alguns corpos nús despudorados e escaqueirados, alguns demasiado perfeitos, irreais. E ficam ali as revistas prostradas no chão entre jornais e livros de fotografia, numa mistura insólita com imagens chocantes de guerra, doenças, miséria de James Natchey, Salgado... Penso que me sinto cada vez mais insensível ao toque. Um amigo meu, artista plático, disse-me um dia que homens e mulheres não precisam realmente uns dos outros, sempre podes masturbar-te pá!
Ao longe a televisão anunciava mais mortos no Iraque e vomitava as imagens da violência dos atentados... Um dos jornais espalhados no chão salta-me à vista com mais uma notícia de alguém que entrou em contramão na autoestrada provocando uma série de choques em cadeia. Como combater as imagens? O poder está morto, li algures, disperso na implosão das fronteiras entre o real e o ilusório... A realidade não é mais verificada, chamada a justificar-se a si própria. Não apreciamos a ‘realidade’ das doenças e da fome nos países do terceiro mundo. Através das notícias na televisão tomamos conhecimento de tal situação, mas não a encaixamos. Bombardeados que somos com imensos códigos, mensagens e imagens, a violência, a fome e a doença tornam-se apenas mais imagens desinfectadas no ecrã, que levam à aceitação acética e passiva. Os significados são dissolvidos em formol pois a informação dissolve o significado numa espécie de estado nubloso que leva à entropia...
Pego no carro e dirijo-me ao hospital. Entre os seus corredores, sinto lamentos distantes e vagos, uma vontade de gritar brota-me de dentro, shhhh, estamos num hospital, ouço uma censura interior. O ambiente branco-pálido e o cheiro ascético, as imagens, os quadros, os olhos virados para o écran da televisão, a propaganda religiosa, como que me querem dizer que os corpos realmente não existem... Vêm-me à memória a imagem, invocada por outro amigo, estudante de medicina, da cabeça de um nado-morto mergulhada num frasco de formol entre os corredores do hospital-escola.
As radiografias dos meus pulmões ao que parecem não estão famosas. Ouço distraidamente o médico a aconselhar-me, calmante e sem expressão, para reduzir o fumo ou pensar mesmo em deixar de fumar. Penso no quão silenciosamente o fumo invade o corpo e em como a medicina já não lida com os corpos físicos, mas com as imagens e os simulacros dos nossos corpos. O ambiente mediático repete e reproduz as imagens do corpo nos corredores e nas salas do hospital, tornando-se o verdadeiro paciente... A doença não pertence mais ao corpo biológico, habita antes as imagens nos monitores, nas radiografias, nas ecografias ou nos TACs...
terça-feira, abril 17, 2007
Máscara
Procuro-me, procuro-me, digo eu na minha conversa interior prostrado na tua cama enquanto te vestes. Hoje apetece-me ser Punk, comentas aos pinotes. Abres o guarda-roupa e entrevejo sem consegui retirar qualquer coerência, um kimono de gheisa, couro, roupas vintage, tintas para pintar o cabelo, colares e brincos, cintos da tropa, de rebites. Tento agarrar-te, puxar-te para a cama mas escapas fugidia...
Contas-me entusiasmada a tua terapia regressiva das vidas anteriores, deambulas pela história universal, foste persa, escrava grega, sacerdotisa pagã, bruxa perseguida pela inquisição, princesa em Versailles, prostituta na Londres vitoriana. Nas paredes contemplo as fotografias de ti própria em vários disfarces que relembram cenas iconográficas ou estereotipadas do cinema ou da vida, Betty Boop, uma minhota, Marylin Monroe, Alice, rapariga de colégio, uma lavadeira das margens do Tejo. Dizes-me que não são disfarces mas sim encarnações de várias personagens que assumes diante a objectiva, retratos de um ‘eu’ adaptável transfigurado no corpo, fruto de uma colagem de fragmentos. Incessante na tua transformação, sempre à procura de novas experiências, aborreceste com a rotina, focas-te no teu corpo, nas tuas máscaras sem que estas tenham qualquer significado particular. O significado, explicas-me, reside na própria forma como cobres o teu corpo, do jeito como te maquilhas e te enfeitas. Celebras o edifício instável da tua maneira de ser que constróis com restos, dogmas, frases feitas, traumas de infância, recortes de artigos de jornal que povoam os recantos do teu quarto, observações casuais, filmes antigos, pequenas vitórias, pequenos gestos, pessoas detestadas, pessoas amadas. Para ti, a tua narrativa de vida é uma colagem, uma montagem do acidental, do achado e do improvisado, de pequenos objectos que encontras e recolhes, que amontoas no teu santuário. Procuro-me, procuro-me, e a teu lado parece-me uma tarefa tão fútil... Beijo os teus lábios e não sei de quem sejam...
quinta-feira, abril 12, 2007
Televisão Pidesca
quinta-feira, abril 05, 2007
Silêncio
No café desenhava os teus lábios a fumar fugazmente um cigarro. Em nenhum dia em particular disseste-me que a ti os quatros elementos nada significavam, só o fumo te era importante e mais verdadeiro. A par do fumo, o teu silêncio pairava suspenso entre o sussurrar do mundo em volta, conversas soltas, loiça a tilintar, o folhear dos jornais que perpassam os dedos domingueiros, o murmurar da cidade distante. Perguntei-te, em que pensas? Nada