terça-feira, abril 17, 2007

Máscara

Procuro-me, procuro-me, digo eu na minha conversa interior prostrado na tua cama enquanto te vestes. Hoje apetece-me ser Punk, comentas aos pinotes. Abres o guarda-roupa e entrevejo sem consegui retirar qualquer coerência, um kimono de gheisa, couro, roupas vintage, tintas para pintar o cabelo, colares e brincos, cintos da tropa, de rebites. Tento agarrar-te, puxar-te para a cama mas escapas fugidia...
Contas-me entusiasmada a tua terapia regressiva das vidas anteriores, deambulas pela história universal, foste persa, escrava grega, sacerdotisa pagã, bruxa perseguida pela inquisição, princesa em Versailles, prostituta na Londres vitoriana.
Nas paredes contemplo as fotografias de ti própria em vários disfarces que relembram cenas iconográficas ou estereotipadas do cinema ou da vida, Betty Boop, uma minhota, Marylin Monroe, Alice, rapariga de colégio, uma lavadeira das margens do Tejo. Dizes-me que não são disfarces mas sim encarnações de várias personagens que assumes diante a objectiva, retratos de um ‘eu’ adaptável transfigurado no corpo, fruto de uma colagem de fragmentos. Incessante na tua transformação, sempre à procura de novas experiências, aborreceste com a rotina, focas-te no teu corpo, nas tuas máscaras sem que estas tenham qualquer significado particular. O significado, explicas-me, reside na própria forma como cobres o teu corpo, do jeito como te maquilhas e te enfeitas. Celebras o edifício instável da tua maneira de ser que constróis com restos, dogmas, frases feitas, traumas de infância, recortes de artigos de jornal que povoam os recantos do teu quarto, observações casuais, filmes antigos, pequenas vitórias, pequenos gestos, pessoas detestadas, pessoas amadas. Para ti, a tua narrativa de vida é uma colagem, uma montagem do acidental, do achado e do improvisado, de pequenos objectos que encontras e recolhes, que amontoas no teu santuário. Procuro-me, procuro-me, e a teu lado parece-me uma tarefa tão fútil... Beijo os teus lábios e não sei de quem sejam...

8 Comments:

Blogger Susana M Fonseca said...

As máscaras são inevitáveis, mais ou menos óbvias, mais ou menos coerentes, todas elas são urgentes e vitais para a nossa existência. Não são sinónimo de disfarce ou fingimento, é antes uma camuflagem almofadada que permite ao comum dos mortais sentir-se aconchegado em determinadas situações
Perdemo-nos na procura de quem somos sem olhar à construção do indivíduo único que todas as máscaras proporcionam. Além disso, as máscaras são igualmente usadas em função do “outro”, sendo que cada um age conforme lhe é permitido agir. Para complicar, o “outro” vê a máscara que quer, que consegue interpretar ou que consegue sentir.
Mas a essência da identidade individual nunca é perdida nem amolgada…

9:33 da tarde  
Blogger NoSurprises said...

A personificação de vários e distintos papeis, a necessidade de ser de "eus" diferentes para cada situação. Uma vida....uma máscara....


Ps: já não é a primeira vez que te digo, escrevee porque tens jeito para a escrita narrativa.....

um abraço

10:15 da manhã  
Blogger Patrícia Evans said...

Este comentário foi removido pelo autor.

12:51 da tarde  
Blogger Patrícia Evans said...

Amigo...MUITO BOM!!!!ADOREI o texto...imagino que advinhes que gostei particularmente de algumas partes;)O Eu fragmentado ajuda-nos a saber-mos melhor quem somos e quem queremos ser:)Alguns são os dias em que desejamos, mesmo muito, sair de nós.

Beijoca boa**

12:53 da tarde  
Blogger blindness said...

Máscara tem, para mim, a conotação de algo que tapa a verdadeira pessoa. E o entendimento que fiz do teu texto é o de que falas de alguém que, apesar de tudo, não pretende esconder-se, mas mostrar-se. Mostrar-se na sua polivalência, na sua complexidade, nas múltiplas facetas que assume como suas e que a caracterizam. Falas de «retratos de um 'eu' adaptável transfigurado no corpo, fruto de uma colagem de fragmentos», fruto de um acrescento de "embalagens" que não lhe dão o sentido, embora lhe modifiquem a aparência (acrescentaria eu). Falas de alguém (curiosamente, uma mulher) que não se procura por se ter já encontrado. E de alguém (curiosamente, um homem) que a observa e parece perceber isso mesmo, que as embalagens não servem para a esconder, apenas para lhe modificar a aparência.

Abraços. ;)

4:31 da tarde  
Blogger passarola said...

e voltamos à matamorfose... as diferentes embalagens dão-nos o sabor da mudança que nos dá vida, a desculpa perfeita para fazer uns desvios... na rotina? na vida? Seja na História universal, seja na nossa história... é bom deambular!!! Agora, apetece-me ser punk! :)

11:50 da tarde  
Blogger faceless said...

O acto de mascarar pode assumir vários significados como está patente nos comentários aqui expostos, mas talvez buscar um sentido seja algo contrário ao sentimento de uma das personagens do texto. O sentido de mascarar é para aquela personagem talvez um não sentido, uma não identificação fixa e duradoura. Buscar "o" sentido, até moral, na máscara e no acto de mascarar é talvez uma tarefa algo fútil. Todos nós sentimos medo das máscaras na era do desenvolvimento pessoal, da procura do "eu". Como me defino, quem sou? como me apresento? São questões tão fundamentais hoje em dia ao mesmo que a vida moderna é um processo cada vez mais intenso de deslocação, de contínua aprendizagem, de modas, acontecimentos, onde um "eu" e um "carácter" fixo pode ser um empecilho. De qualquer forma, grande parte de nós procura descascar a cebola à procura de algo fundamental e afastarmo-nos da rotina ou de certas rotinas pode ser das tarefas mais exasperantes e mais "contra natura". Há tanta a questão de saber se certas máscaras serão mais "verdadeiras" que outras e aquela outra questão de saber se temos a coragem de assumir certas "máscaras" contra as conveniências. Beijos e abraços a quem de direito

9:07 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Se estás demasiado consciente: DADA
Toma DADA em vez das pílulas recomendadas pelo teu médico; Ou vive em ti, dentro de ti e fora como se tudo fosse....ousa DADA. Se tens visões reais refuta-as preferirás a verdade suprema: Dada.
Dada é simples basta adicionar Dada

"Dada é a nossa intensidade: que ergue as baionetas sem consequência a cabeça sumatral do bebé alemão; Dada é a vida sem pantufas nem paralelos; que é contra e a favor da unidade e decididamente contra o futuro; sabemos sabiamente que os nossos cérebros se hão-de tornar almofadas macias, que o nosso antidogmatismo é tão exclusivista como o funcionário e que não somos livres e gritamos liberdade; necessidade severa sem disciplina nem moral e cuspimos na humanidade.
Dada permanece dentro do quadro europeu das fraquezas, continua a ser merda, mas doravante queremos cagar em cores variadas para ornar o jardim zoológico com todas as bandeiras dos consulados..."

Se és mestre na arte do disfarçe, se somos actores supremos, isso exige um manifesto bem mais veemente e um abandono total do teu "eu"; o palco é largo, sobe o pano, não ouves os aplausos, tornas-te o próprio TEATRO.

Dada é isso, abandonar todas as convenções mesmo em plena cena.

Um abraço e continua a escrever até que te doa a alma.

12:34 da manhã  

Enviar um comentário

<< Home