sexta-feira, junho 22, 2007

Happy Birthday

Contas-me uma colecção de pequenas estórias, acontecimentos, observações que não se adicionam umas às outras para moldar uma estória completa. Poderão ter uma data precisa mas não se situam em nenhum lugar em particular nas nossas narrativas de vida. Poderiam ser baralhas e distribuídas de novo como as cartas de um baralho. É esta uma das características do mundo contemporâneo, dizes-me, uma situação bela e assustadora ao mesmo tempo. Estamos libertos das tradicionais e lineares trajectórias de vida, somos saltimbancos, incertos, indecisos, queremos experimentar, comprar, deitar fora. E isso reflecte-se nas estórias que partilhamos, nas frases soltas, nos textos que deixamos perdidos nas gavetas ou num blogue. Quero-te dizer aquilo que li o outro dia num blogue, era mesmo interessante... mas não me lembro. O nosso sentido de profundidade, de que a vida tem um rumo tangível e perceptível vai-se perdendo em modo fade out... Que fazer com os acontecimentos quotidianos, com aquilo que lê-mos e vê-mos, com aquilo que sentimos quando fodemos todo o sentido de História? Mais vale aproveitar os dias um a um, dizes-me. Toma um pastel de nata com uma vela no topo... Happy Birthday... um ano de Blogue... será ainda um infante? Que idade terá um blogue quando for velho?

quinta-feira, junho 07, 2007

Bento XVI respira fundo, ladeado dos cardeais, antes de entrar na varanda que se abre para a Praça de São Pedro. Já sente o burburinho dos crentes e dá um passo confiante sobre a varanda da basílica. A multidão entra em delírio e Bento inspira a fé católica misturada na leve brisa do fim da tarde. Coloca os seus fieis auscultadores Sennheiser e começa a aquecer os pratos. Milhares de watts de som começam a encher a praça com palpitações sonoras. Os cardeais colocam os óculos escuros e começam a movimentar os corpos. A multidão segue o exemplo e entra em delírio. Multiplicam-se as pastilhas de ecstacy e as garrafas de água. Benditas sejam as novas formas de propagar a doutrina católica... God is a DJ...

domingo, junho 03, 2007

Matemática

“O Binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo”
[Fernando Pessoa]

No novo mundo reina apenas uma linguagem universal: a matemática. Não se sabe ao certo o período em que todos passaram a comunicar somente em matemática, o período onde se deixaram de lado as palavras e onde a transmissão do pensamento passou a ser baseada numa linguagem e numa interpretação do mundo completamente codificada. Terá sido esta revolução obtida através de uma educação deliberada, através de uma revolução linguística deliberada ou até mesmo imposta? Ou terá sido uma revolução silenciosa, fruto do aumento das capacidades cognitivas da humanidade, um despertar da linguagem mais fundamental, o que aliás já tinha sido reconhecido por pensadores da era pré-histórica como Galileu ou Descartes? A religião do novo mundo também emana dessa ideia muito antiga de que a matemática é a linguagem de Deus a tradução mais perfeita da divindade, assim como da profecia Nietzcheniana da construção do “super-homem”. As antigas linguagens comuns são entendidas no novo mundo como uma tradução imperfeita do pensamento, são o espelho imperfeito de um modo de pensar pessoal e de certa forma intransmissível, herege portanto. As pessoas eram pequenos microcosmos de significado e visto que não falavam numa linguagem matemática as pessoas escapavam à descrição e explicação abstrata e axiomática do mundo, reféns das nuances de sentido. O que é certo é que as palavras são entendidas como impuras. Muito das desgraças do mundo antigo são atribuídas às antigas formas de comunicação, a política e o poder são consequências inevitáveis da linguagem comum, a imperfeição do homem era a imperfeição da linguagem.
No novo mundo só há espaço para a linguagem baseada em estruturas abstratas definidas axiomaticamente, usando a lógica formal como estrutura comum de comunicação. As estruturas abstractas, belas em si mesmas, fornecem assim uma generalização unificante do mundo. A verdadeira poesia é a verdade matemática. A outra forma estética pura do mundo é a música que tem a sua tradução matemática. Não há espaço para mal entendidos ou duplos sentidos entre os seres humanos, eliminaram-se as margens e as franjas da linguagem comum, falível, imperfeita, volátil. A utopia iluminista racional tomou forma e uma perdida babel linguística foi assim reencontrada. Os livros, os romances, a poesia feita de palavras são símbolos arcaicos, objectos arqueológicos...