sexta-feira, setembro 15, 2006

Sala de Espera

Os usos sociais das instituições são muitas vezes diferentes dos usos intencionados pelos seus criadores. As pessoas atribuem-lhes os seus fins próprios e os seus usos específicos. Isto não é necessariamente perverso e daí emana muita da riqueza da vida social. Um exemplo dessa situação é o uso que várias pessoas idosas dão à sala de espera dos centros de saúde, que se tornam num meio de inclusão social para escapar à solidão. A sala de espera passa a ser uma autêntica sala de estar. Deixa de ser um espaço intermédio para passar a ser um espaço de convívio por direito próprio, onde se opera uma espécie de medicalização da solidão pela iniciativa dos próprios “doentes”.
Ser doente fora da sala de espera pode ser sinal de fraqueza, um estigma que talvez deva ser escondido, mas naquele contexto a doença é exposta a plenos pulmões, sendo o desencadeador de relações sociais. É motivo para ser o centro das atenções e confere mesmo um certo prestígio. Coleccionar doenças é como subir uns pontos no “ranking” dos freqüentadores assíduos do centro de saúde. Para essas pessoas estar doente é um estado perpétuo, dentro e fora do centro clínico, e, portanto, é mais do que justificada a sua presença na consulta, mesmo que na prática a verdadeira maleita do momento seja algo mais espiritual, a solidão. (E é a partir desse estado interiorizado de doença perpétua que se pode perceber porque é que certas pessoas idosas continuam a medicar-se passado o período de medicação estipulado pelo clínico).
Ouvi uma vez um médico de família contar uma situação que lhe aconteceu que me marcou pelo seu significado social e humano. Do leque de senhoras idosas que compareciam todas as semanas à consulta com uma diligência inamovível, uma delas deixou de comparecer. Passadas duas semanas o médico começou a indagar: “Arranjou companheiro? terá ido para casa de familiares? para um lar? Ou pior, terá morrido?”. Porém, na terceira semana lá estava a senhora na sala de espera como se nada tivesse acontecido. Durante a consulta o médico, curioso, perguntou-lhe: “Mas afinal o que é que lhe aconteceu?”. Perante a interpelação, a senhora respondeu (imagino eu que verbalizando a resposta de uma forma lacónica como se estivesse a dizer a coisa mais lógica do mundo): “Sabe xô doutor, tive doente!”.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

É curioso que tenhas escrito sobre esta problemática. Também tenho vindo a acompanhar o mesmo fenómeno - as salas de espera de qualquer instituição de saúde passa a ser, sim, um local de convívio já habitual das pessoas idosas. Solidão, falta de apoio comunitário, inexistência de outros elementos da família, ou existindo, poderão tê-lo abandonado. Faz-nos pensar sobre a velhice e de como, em termos sociológicos e psicológicos, se pode actuar de uma forma adequada e eficaz com o objectivo de acolher, acompanhar, satisfazer as necessidades básicas de uma população que se torna cada vez mais idosa.
Um brinde à tua sensibilidade para este tema.

Ana Pires

5:17 da tarde  

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